Debate polêmico gera pontos de vista antagônicos entre síndicos, advogados e especialistas do ramo condominial. Qual seria a opção mais adequada de rateio das despesas do condomínio: fração ideal ou por unidade?
Áreas comuns do condomínio são mantidas financeiramente pelos próprios condôminos. Despesas com manutenção, serviços e melhorias são rateadas entre os proprietários das unidades. No entanto, a forma dessa partilha varia, conforme prevê a Convenção de cada condomínio. Há quem aplique modelos de cobrança por fração ideal, por unidade ou flexível utilizando os dois formatos.
O Código Civil sugere a divisão de cotas por fração ideal. Isto é, o cálculo será feito com base no tamanho da propriedade privada, quer seja apartamento, cobertura ou loja comercial. Nesse caso, se a cobertura possui 190 m² o proprietário receberá um valor maior do rateio em comparação a um condômino que possui um apartamento de 42 m². No entanto, o legislador deixou livre para que cada condomínio escolha a maneira mais adequada em sua administração.
De um lado estão donos de coberturas que protestam a divisão por fração ideal como defende Galvão Bertazzi, morador do Condomínio Arquipélago, no bairro Trindade, em Florianópolis. “Moramos na cobertura, mas não por isso usamos mais a faxineira ou o jardineiro. Estou pagando 75% a mais de cota que um condômino de apartamento de um quarto. Penso que isso precisa ser reavaliado”, diz.
Do outro lado estão os proprietários de apartamentos menores que se sentem injustiçados ao cogitar a mudança pelo modelo de divisão igual por unidade: “Em assembleia ficamos um pouco divididos. Algumas pessoas achavam que as despesas deveriam ser distribuídas por todos igualmente. Isso gerou desconforto para proprietários de unidades menores”, explica Amanda Heller, síndica do Condomínio Alameda do Canto, no bairro Estreito, em Florianópolis.
O Jornal dos Condomínios apresenta um debate sobre o tema, trazendo opiniões de condôminos, síndicos, advogados e especialistas do ramo, que se posicionam em relação à seguinte pergunta: Qual seria a forma mais justa de dividir a cota do condomínio?
Pela fração ideal
Alberto Calgaro, advogado e consultor na área condominial: “O Código Civil de 2002, ao instituir em seu art. 1.336, I, a regra de rateio pela fração ideal, não trouxe nenhuma novidade, pois essa regra já era a existente em nosso país desde a Lei n.º 4.591/64, além de ser norma igualmente prevista na legislação de diversos outros países, justamente por ser reconhecida como a regra mais justa para a maioria dos casos. Acertou, mais, o Código Civil de 2002, ao expressamente permitir que a Convenção do condomínio institua regra diversa de rateio de despesas, reconhecendo que a fração ideal pode não ser a regra mais adequada para determinados casos. Assim, entendo que não há nenhuma ilegalidade no critério da fração ideal, tampouco na regra do art. 1.336, I, do CC/2002, pois nada mais justo que aquele que é proprietário de uma fração maior do imóvel pague uma fração igualmente maior das suas despesas de manutenção”.
Márcio Koerich, síndico profissional em Florianópolis: “Eu vejo que divisão por fração ideal é mais justa. Se a pessoa tem um apartamento maior, ele vale mais, tem mais propriedade dentro do condomínio. Se ele tem mais propriedade, a totalidade do patrimônio é mais dele do que de outro. Se imaginássemos que um condomínio é integralmente só de uma pessoa, esse proprietário arcaria com todas as despesas sozinho. Se fossem dois proprietários, as contas de manutenção seriam divididas em 50% para cada um deles. Agora, se um condômino é dono de 70% do condomínio e outro de 40% porque dividir igualmente as despesas? A forma mais equânime é o pagamento proporcional. Antes de adquirir ou locar um apartamento é imprescindível que o interessado leia antes o Regimento Interno e a Convenção para ter ciência do contrato que está assinando. Hoje a maioria dos condomínios aplica a divisão por fração ideal”.
Lionete Machado Gnecco, síndica do Condomínio Arquipélago: O nosso condomínio aplica a fração ideal e concordo com este modelo. Quando assumi o cargo já era assim e não vejo argumentos suficientes para alterarmos isso. A lógica é simples, quem tem apartamentos maiores paga um pouquinho mais. A gente debate isso aqui no condomínio com frequência. Temos moradores que são contra esse sistema.
Eu concordo que quem mora na cobertura pague mais porque possui mais condições financeiras. A nossa Convenção aplica a fração ideal. Se fizéssemos essa mudança tenho certeza de que a maioria seria afetada e não iria concordar.
Forma híbrida
Rogério Manoel Pedro, advogado especialista na área condominial: “Eu entendo que o mais justo é aplicar as duas formas de divisão, fração ideal ou por unidade, conforme a situação. Quando se tratar de despesas ordinárias (manutenção, obras necessárias e de conservação) a divisão mais adequada é por unidade, pois aproveita a todos independentemente do tamanho da unidade privativa; já para despesas extraordinárias (que agregam valor de investimento) poderia ser aplicada a fração ideal. Por exemplo, uma reforma no hall de entrada do edifício, que gerará a valorização da área comum e privativa do Condomínio, deveria ser rateada por fração”.
Jair José Pereira, contabilista e síndico profissional: “É relativo, pois não conseguimos quantificar exatamente o consumo em condomínio. Subentende-se que quem é dono de propriedade privada maior usa mais a área comum. Vejamos: os moradores de uma cobertura alegam que os encargos sociais são os mesmos, independentemente da área privada de uma unidade. Então o que diriam os moradores do térreo ou primeiro andar que nem usam o elevador ou usam bem menos? Pois entre usar o elevador para ir até a cobertura ou no primeiro andar, o consumo de energia é diferente. Logo, os que não usam ou moram nos andares inferiores teriam que pagar menos energia? Em regra, penso que a fração ideal é a forma mais justa. No entanto, sou a favor de que para questões que podem ser quantificadas seja aplicada a divisão igual por unidade e o que for de difícil quantificação seja estabelecida a fração ideal como regra”.
Amanda Heller, síndica do Condomínio Alameda do Canto: “O nosso condomínio é atípico. Alguns apartamentos possuem anexos de extensas áreas privativas descobertas que a nossa Convenção proíbe que o condômino construa. São terraços e áreas ao ar livre, espaços inutilizados pelos condôminos. Se dividíssemos as despesas do condomínio por fração ideal contando com a metragem desses espaços vazios, esses apartamentos pagariam proporção consideravelmente maior sem usufruir daquela área. Em assembleia no fim de 2013, auxiliados pelo administrador da obra, aprovamos a fração ideal por área coberta. Ou seja, as despesas são divididas por fração ideal, mas a metragem considerada nos cálculos é somente de áreas cobertas, deixando de fora esses espaços que, embora privados, estejam inutilizados. Embora o debate tenha sido extenso, aprovamos por unanimidade. Para mim a fração ideal é a forma mais justa de cobrança. Se o condômino tem apartamento maior ele tem mais pessoas que usam as áreas comuns e, portanto, deve pagar proporcionalmente mais.
Pela divisão por unidade
Galvão Bertazzi, proprietário de uma cobertura em Florianópolis: Eu e minha mulher tivemos a oportunidade de comprar um imóvel há uns anos por um preço melhor. Quando compramos sabíamos que havia o valor do condomínio e que pagaríamos uma proporção mais alta. No entanto, com os reajustes, começou a ficar caro demais. Analisando percebi que não fazia muito sentido. Não estamos usamos mais o porteiro, jardineiro ou as áreas comuns do que os outros. O nosso hidrômetro é único, mas eu e minha mulher fazemos questão de racionalizar a água. Usamos muito menos água do que outros apartamentos menores. A minha última cota, com todas as despesas do mês, somou R$ 1 mil enquanto que apartamentos de um quarto somaram R$ 250 reais de taxa. É muita diferença. Achar que quem mora na cobertura é rico ou tem mais dinheiro é cair no estereótipo. Eu estou começando a participar mais dos debates em assembleia, porque está ficando pesado. Na última reunião tentei colocar isso de uma maneira clara e muitos se assustaram com o que estou pagando. Eu tenho certeza que muita gente vai achar ruim se for estabelecida outra forma de divisão, mas precisamos ser realistas.
Luiz Frantz, síndico do Condomínio Villagio Di Capri: O nosso condomínio adota a fração ideal. Às vezes ela se torna injusta. O mais justo seria fazer os cálculos de acordo com o número de habitantes de cada unidade, mas como é inviável manter esse controle de cadastro atualizado. Temos 10 coberturas, dentre as quais a maioria é ocupada por um casal ou pessoas sozinhas. Não é justo que paguem mais do que os outros. Para rateio de água adotamos a divisão por unidade, pois percebemos em assembleia que seria o mais adequado.
Kênio de Souza Pereira, advogado e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG: “Segundo o Código Civil, é direito de todos os proprietários, sejam de unidades de cobertura ou térrea utilizar as áreas comuns da mesma maneira, sem qualquer regalia para quem quer que seja. Se o uso dessas áreas que geram as despesas é semelhante, sem relação com o tamanho interno do apartamento, obviamente, todas as unidades devem arcar com os seus custos na mesma proporção, ou seja, igualmente. Há pessoas que qualificam a taxa de cobertura como “Taxa da Inveja”, porque alguns entendem que o seu proprietário tem mais status, sendo que há quem alega ainda que por receber mais sol e ter o terraço deve pagar maior taxa de condomínio, como se o seu proprietário não tivesse pago a mais pela compra, e sim ganhado essa unidade maior num sorteio entre todos os adquirentes do edifício. A taxa condominial decorre de uma contraprestação de serviços das áreas comuns e não pode ser cobrada como se fosse imposto, que incide sobre o valor do patrimônio ou da renda da pessoa”.